"Um Barco atracado ao cais é sempre um sonho preso"

quarta-feira, janeiro 31, 2018

Apresentação da segunda edição do “A hora das coisas” de Fernando Duarte


Fotografia de João Pedro Duarte

Apresentação da segunda edição do “A hora das coisas” (Pastelaria Studios, 2017)

13 de Outubro de 2017 – GDEC “Os Combatentes”, Lisboa

Entre a força e o caótico, o poema não é só o que está escrito, mas a forma como as palavras são entoadas”. Esta frase é de Fernando Duarte e guardei-a duma conversa recente.

Albano Martins em “O Mesmo Nome” (Campo de Letras, 1996, p.27) alerta: “Nenhum ramo é seguro. Frágeis são as palavras”. Maria Alberta Menéres confirma: “É de existirmos que existir se faz” (O Jogo dos Silêncios, Hugin, 1996, p.26). A autora de “O poeta faz-se aos dez anos” lembra: “Oh como o poeta vive atento à sua topografia interior/e sabe distinguir a pequena rua da infância” (ibidem, p.41) (…) “Oh como o poeta acolhe o cheiro das penumbras/e a brancura da cal ensombrada” (ibidem, p.43).

Fernando Duarte, autor de “Quase cem poemas de amor e outros fragmentos”, o seu primeiro livro, e deste “A hora das coisas”, cuja 2ª edição partilhamos nesta sessão, decidiu expor o seu amor e desespero pelas palavras, que idealizam ou celebram o quotidiano, no avesso dos dias banais. Por isso, e como afirma Isabel Mendes Ferreira em “As lágrimas estão todas na Garganta do Mar (babel, 2010) “o abismo é outro sentido do pensar” (ibidem, p.147). Isabel Mendes Ferreira confessa “descalço a língua” (p.155) escrevendo que “é ainda a escuta (…) que marginaliza o manso e ilumina o árido”. (p.83)

Este poeta (que há muito é meu Amigo) foi-me dado a conhecer, enquanto Poeta através de cartas que recebi nos anos 80, oriundas do Alasca, onde estava em serviço. O geógrafo que se especializou no conhecimento sobre a pesca do bacalhau, com quem fundei associações, exerce a sua profissão na Secretaria de Estado das Pescas, sendo leitor assíduo de Poesia, que de forma incessante tenta actualizar tudo o que sabe da Escrita dos Clássicos e dos mais jovens.

Quando mudei para Almada tive o ensejo de folhear álbuns muito especiais, com fotografias a sinalizar o seu também novo percurso de vida, pois anteriormente viveu em Lisboa (na
Boa-Hora, em Benfica e depois em Santo Amaro). Porém, junto às imagens o seu sentir ampliava-se com a sensibilidade poética, de repente tornada urgente, como fonte que irrompe em imparável torrente. No seu conjunto, aquelas palavras justificavam vários livros.

O primeiro, “Quase cem Poemas”, foi editado em Fevereiro de 2015. E embora tivesse dito “Escrevo para ninguém ler” ou “quero viver sem dar-me conta”, como cantou Sérgio Godinho “pode alguém ser quem não é?”.

“A Hora das Coisas” reforça esta voz, desbravando sempre novos caminhos, dizendo a eterna necessidade das palavras e através da sua substância fala das emoções, de sentimentos e sonhos.

Sei que o Fernando Duarte não vai estancar a sonoridade das sílabas na sua oficina solitária, onde o espanto e a magia de alguns dias vividos ou imaginados, lhe darão aquele indizível prazer de explorar desbravar o desmedido horizonte, entre o ritmo e o silêncio, fazendo nascer mais textos, novos livros.

Pela exigência e perfeccionismo que nos aproxima, posso atestar que estamos na presença de uma obra única, de um caminho singular em poesia, tendo aceite assinar o prefácio deste
“A hora das coisas”.

Termino citando o Poeta António Salvado e a página XXXI do seu livro Igaedus (2015): “Que se vai desejar mais que não seja/ Que a leveza da terra erga a miragem/de que nem tudo se perdeu na vida”.

Parabéns Fernando e que venham outros – ainda mais belos – livros!



Luís Filipe Maçarico,  11/10/17

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